sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

ENTREVISTA COM O PENSADOR JORGEN RANDERS, UM DOS MAIS IMPORTANTES NOMES DO MOVIMENTO PELO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ( Sustentabilidade )

DESENVOLVIMENTO

ENTREVISTA


Para o pensador Jorgen Randers, um dos mais importantes nomes do movimento pelo desenvolvimento sustentável, a humanidade não fará a tempo as mudanças necessárias para evitar a catástrofe climática

ANA LUÍZA HERZOG
Guia Exame de Sustentabilidade - 11/2012
Akademikerne / Creative Commons{txtalt}
Há 40 anos, o ambientalista analisa o desenvolvimento sustentável

[imgcapa] Há 40 anos, o noruêgues Jorgen Randers foi um dos três autores de Limites do Crescimento, livro que, como o título sugere, pela primeira vez trouxe à tona o dilema da finitude dos recursos naturais do planeta versus a ideologia dominante de que o bem-estar das nações estaria sempre atrelado a um crescimento econômico constante. Como esperado, a ideia de que o planeta sucumbiria ao peso de uma exploração desenfreada causou polêmica, e a obra, financiada pelo Clube de Roma, espécie de instituição de pesquisa que reúne alguns dos mais renomados cientistas de diferentes áreas do conhecimento para refletir sobre os problemas do mundo, foi vista pela maioria com desdém. Ainda assim, o livro se transformou em um dos principais ícones do movimento pelo desenvolvimento sustentável, que começava ali a ganhar corpo.

Na época, Randers era um talentoso e idealista doutorando do Massachusetts Institute of Technology (MIT) que acreditava que alguns dos futuros cenários sombrios descritos no livro, elaborados de maneira pioneira com base na modelagem de computador, fariam os países re­pensar suas estratégias de crescimento e sua relação com o planeta. Ao longo dos 40 anos seguintes, ele dedicou sua vida a essa catequese: transformou-se em um dos mais renomados palestrantes sobre desenvolvimento sustentável no mundo, esteve à frente de uma das maiores ONGs ambientalistas internacionais, a WWF, e, ainda hoje, divide seu tempo entre as aulas de estratégia climática na Escola de Negócios Norueguesa, em Oslo, e as reuniões dos conselhos de sustentabilidade de grandes empresas, como a British Telecom, na Inglaterra, e a Dow Chemical, nos Estados Unidos.

Aos 67 anos, porém, Randers afirma que sua catequese foi em vão. E foi essa sensação de fracasso que o motivou a lançar, no início deste ano, 2052 - a Global Forecast for the Next Forty Years ("2052 - uma previsão global para os próximos 40 anos", numa tradução livre), obra que, como ele mesmo afirma, não fala sobre o que o mundo deveria ser daqui a quatro décadas, mas sobre o que o mundo será. Em entrevista a EXAME, ele explicou por que acredita que a humanidade não conseguirá evitar o caos climático, mas apenas adiá-lo.

O que o motivou a escrever o livro 2052?
Estou trabalhando há 40 anos para que o mundo seja mais sustentável e simplesmente fracassei. Então decidi que queria pesquisar para saber como o mundo vai ser nos últimos 20 anos que ainda tenho de vida. Agora sei e não estou mais angustiado. O que vai acontecer é o que está descrito no livro, e eu não gosto do que está lá. Portanto, torço para que a humanidade faça alguma coisa extraordinária nos próximos 40 anos e minhas previsões não se concretizem. Mas se você me perguntar se eu acho que a humanidade vai fazer algo extraordinário, a resposta será: não.

Qual é a diferença entre o que foi feito lá atrás, no livro Limites do Crescimento, e o que senhor fez agora, em 2052?
Há 40 anos nós não fizemos previsões. Apresentamos uma série de cenários globais possíveis e deixamos claro que não tínhamos informação suficiente para dizer qual era o mais provável. Apesar disso, ao analisar esses cenários, conseguimos dizer que o planeta é finito e que existia uma grande chance de que a humanidade se comportaria de maneira estúpida, permitindo que a população e a economia crescessem a níveis que não seriam sustentáveis no longo prazo para o planeta. Hoje, sabemos muito mais, e isso me permite definir um cenário mais preciso.

E qual é o cenário que projeta para os próximos 40 anos? A população global vai estagnar antes do esperado porque a taxa de fertilidade cairá dramaticamente com a urbanização. Chegaremos a 8,1 bilhões de pessoas pouco antes de 2040, e daí em diante haverá um declínio. O PIB global também vai crescer mais lentamente do que o previsto devido a um cresci­mento menor da população e a um declínio nas taxas de crescimento da produtividade. Calculo que o PIB global terá pouco mais que dobrado em relação ao nível atual em 2050. A taxa de crescimento do consumo também vai arrefecer, porque uma fatia considerável do PIB será usada para solucio­nar os problemas causados pela poluição, pelo esgotamento dos recursos naturais, pelas mudanças climáticas, pela perda da biodiversidade e pela desigualdade social.

Como resultado desse crescimento mais lento do PIB e desses investimentos que serão feitos nas próximas décadas - não de maneira voluntária, mas como reação à crise -, o problema do clima e da exaustão dos recursos naturais não se transformará numa catástrofe antes de 2052. A partir daí, porém, a falta de um esforço articulado para mitigar a mudança climática colocará o planeta numa rota perigosa. Teremos muito sofrimento.

O senhor afirma que uma das razões para o adiamento do caos climático é um crescimento econômico mais fraco. Um dos motivos é o fato de que muitos pobres continuarão pobres. Ou seja, a discussão atual sobre os pobres deixando a base da pirâmide e consumindo e emitindo CO2 como os cidadãos dos países ricos não faz sentido? Eu escrevo há 40 anos sobre a importância de eliminarmos a pobreza e reduzirmos as emissões. E isso é falado em todas as reuniões da ONU e foi falado na Rio+20. Nunca ouvi alguém defender que a pobreza não deva ser combatida. Por isso mudei meu comportamento e decidi prever não o que a humanidade diz que vai fazer, mas o que ela efetivamente fará. Os países ricos não vão dar ajuda financeira suficiente para que os países pobres decolem e, por isso, eles não vão crescer o suficiente nos próximos 40 anos. Vai haver algum crescimento na base da pirâmide? Sim, mas ficará em torno de 2% a 3% ao ano, o mesmo padrão de sempre. Muitos pobres vão ver sua renda dobrar, mas isso não quer dizer muita coisa. Há algo como 2,1 bilhões de pessoas hoje na base da pirâmide. Elas continuarão pobres, emitindo muito pouco CO2.

O senhor não está incluindo o Brasil nesse grupo, certo? Não, o Brasil está fora disso. Ele faz parte de um grupo de 14 países que chamo no livro de Brise - Brasil, Rússia, Índia, África do Sul e dez outras economias emergentes. Para esse grupo tudo vai ser mais fácil. O Brasil já está numa situação melhor, e a renda per capita vai, no mínimo, triplicar nos próximos 40 anos. A China será o grande vencedor, e os grandes perdedores serão os países ricos, particularmente os Estados Unidos. As classes altas nesses países já chegaram aonde podiam chegar, e ao longo dos próximos 40 anos só perderão privilégios.

O senhor participa dos conselhos de sustentabilidade de grandes empresas. Qual a sua percepção sobre o setor privado e que papel ele desempenhará nos próximos 40 anos?
Quando falamos de responsabilidade social corporativa é importante separar as empresas líderes, que estão realmente tentando fazer algo pela sociedade, e a maioria, que não está fazendo nada. A despeito disso, dentro do sistema capitalista, há limites muito rígidos para o que uma empresa pode realmente fazer. Se ela decide, por exemplo, adotar um sistema de produção muito limpo, mas também muito caro, ela simplesmente vai perder mercado para uma concorrente que não age assim. Isso significa que as companhias líderes tentam fazer o que podem, mas não podem correr o risco de ser banidas do mercado.

Então não devemos ter muitas expectativas em relação às empresas?
Não. Não espere que o sistema capitalista solucione o problema climático. A lógica do sistema capitalista é alocar recursos para os projetos mais lucrativos, não para aqueles que beneficiam a sociedade. Muitas das tecnologias de que precisamos hoje para lidar com o problema climático são mais caras do que as tecnologias em uso. É mais caro construir usinas solares ou parques eólicos do que utilizar carvão. Ponto. Então é claro que o sistema capitalista não vai investir nessas tecnologias, a menos que seja incentivado ou forçado a fazê-lo. E é claro que, quando os políticos tentam aprovar leis para impulsionar essas tecnologias, os eleitores são contra, porque isso se traduz em aumento de impostos ou em gasolina ou eletricidade mais caras. Então eles simplesmente não propõem esse tipo de legislação. Ou seja: o imediatismo e a falta de visão de longo prazo do ca­pitalismo e da democracia vão impedir que as decisões sábias necessárias para um futuro menos traumático sejam tomadas a tempo.

O senhor esteve no Brasil em maio deste ano, para falar sobre seu livro no Congresso, mas não voltou para a Rio+20, em junho. Não participa mais dessas reuniões?
Não. Participava de todas, mas isso foi há muito tempo.

Não acha que vale mais a pena?
Não, não acho. Eu não acredito que vamos alcançar um resultado com 194 países em volta de uma mesa. Vejo uma saída em algumas grandes nações fazerem acordos entre elas, como já vem acontecendo com a União Europeia e a China, e outras vão segui-las. Acho importante os países continuarem discutindo e dialogando, mas dificilmente esses grandes encontros surtirão algum resultado nas próximas décadas. Torço para estar errado.

FONTE: Revista Planeta Sustetável

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