segunda-feira, 15 de outubro de 2012

CULTO AO MARFIM ( "Religião"/Meio Ambiente ) " PARTE VII" ( Milhares de elefantes morrem a cada ano para que suas presas sejam transformadas em objetos religiosos. É possível acabar com essa matança? )

CULTO AO MARFIM

Milhares de elefantes morrem a cada ano para que suas presas sejam transformadas em objetos religiosos. É possível acabar com essa matança?

Foto: Brent Stirton
Presa de marfim em elefante abatido no Parque Nacional Amboseli, no Quênia
Para impedir que o marfim chegue ao mercado negro, um guarda florestal em trajes civis retira as presas de um elefante macho abatido no Parque Nacional Amboseli, no Quênia
Apesar disso, para a Cites, os leilões foram um sucesso, arrecadando 15,5 milhões de dólares, a maior parte destinada a projetos de conservação na África. E, embora um preço médio de apenas 147 dólares por quilo de marfim tenha significado menos recursos para conservação nos países africanos, também teve a consequência, reconhecida pela Cites, de que agora a China poderia cumprir com sua parte na manutenção do comércio legal, inundando seu mercado interno com marfim barato. Isso iria afastar os negociantes clandestinos, os quais vinham pagando até 850 dólares por quilo do marfim. O preço reduzido, afirmou Willem Wijnstekers, da Cites, à agência de notícias Reuters, “ajudaria a conter a matança ilegal”.
Em vez disso, porém, o governo chinês fez algo inesperado, e aumentou o preço do marfim. Por intermédio de uma afiliada de sua Associação de Artes e Ofícios, vendeu o produto ao empresário Xue Ping por 1 095 dólares o quilo, um aumento de 650%, e impôs taxas à Oficina de Entalhe em Marfim de Pequim que elevaram o custo do produto de melhor qualidade a 1 168 dólares o quilo. As autoridades adotaram, ainda, um plano decenal visando limitar a oferta ao liberar apenas 5 toneladas de marfim por ano. Com isso, o governo, que controla quem pode vender marfim no país, não estava minando o mercado negro, e sim usando seu poder para implantar um monopólio mais lucrativo.
Aplicando a lógica do secretariado da Cites, de que preços reduzidos e grandes volumes inviabilizariam o contrabando, os altos preços e a oferta restrita adotados pela China agora tornariam o contrabando mais vantajoso. Assim, a autorização para que a China comprasse marfim acabou incentivando o tráfico, de acordo com grupos de observadores internacionais e negociantes que conheci na China e em Hong Kong. Os preços continuam a subir. Segundo Feng You Min, da Oficina de Entalhe em Marfim Daxin, o preço do marfim bruto já é 20 vezes maior que aquele pago nos leilões africanos.
Pouco antes de se discutir o tema dos elefantes em uma reunião da Cites em agosto de 2011, os chineses conseguiram que fossem expulsas do local todas as ONGs presentes. Foi um gesto extraordinário. Entre os representantes afastados estava eu (em nome da National Geographic Society). Tom Milliken, da Traffic, foi autorizado a permanecer, pois iria apresentar os últimos resultados do Etis. O motivo dessa expulsão, segundo Meng, foi o relatório de uma pequena mas influente ONG com sede em Londres, a Agência de Investigação Ambiental (EIA, na sigla em inglês), que enviara à China agentes disfarçados. No relatório, a EIA afirma que o sistema chinês de controle do marfim é um fracasso, que até 90% do mercado chinês é ilegal e que os leilões de 2008 haviam trazido de volta o tráfico.
Em 2011, a Cites fez uma confissão: “O secretariado continua empenhado em entender muitos aspectos do comércio ilegal de marfim”. Em abril deste ano, Tom Milliken admitiu, em entrevista à BBC, que “a autorização para o comércio legal do produto para a China talvez tenha dado a impressão para consumidores chineses de que não havia mais problemas em comprar marfim”.
Meng Xianlin dá um sorrisinho enquanto encho de cerveja seu copo. Ele conta-me que, quando o marfim africano chegou à China, um ruído curioso podia ser ouvido em um dos carregamentos. Levou um tempo para descobrir o porquê. No leilão na África do Sul, o marfim parecia ser da melhor qualidade. Mas depois algumas presas começaram a rachar. Para conseguir bom preço, especula ele, os sul-africanos haviam usado alvejante no marfim, e agora a desidratação estava causando rachaduras nas presas.
Ainda mais valioso que o marfim branco do paquiderme da savana é o tipo mais amarelado de uma espécie menor, a do elefante-da-floresta. “É o melhor”, explica Feng, da Oficina de Entalhe em Marfim Daxin, mostrando-me um pedaço da presa. Os entalhes feitos com aquele marfim vendem tão rápido que os clientes precisam encomendá- los. A única peça entalhada que tinha para me mostrar era uma antiga imagem rachada do presidente Mao. O problema é que não há elefantes-da-floresta em nenhum dos países dos quais a China comprou marfim legalmente. Eles vivem nas regiões central e oeste da África, sobretudo em Camarões, o país invadido por caçadores ilegais islâmicos no início deste ano.
Em março de 2013, haverá nova reunião da Cites para se discutir o futuro do elefante africano.

FONTE: Revista National Geographic Brasil

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